23 de dezembro de 2011

ROSILEIDI FLORISBELA


Rosileidi Florisbela dos Santos rumava ao cartório, decidida a mudar seu nome. De fato, só faltava assinar os papéis para consumar seu objetivo: daquele dia em diante seria apenas Rosi dos Santos. Em seu carro, enquanto parava de semáforo em semáforo, repassava seus motivos a fim de que não restassem dúvidas em relação a essa decisão.

Rosileidi, que nome esdrúxulo... motivo de brigas e discussões sem fim com sua mãe, Marealva. – Seu nome também é ridículo, minha mãe! Será que esta é uma maldição de família?

A mãe dava de ombros e dizia que gostava do nome. Era apaixonada por flores e sempre havia sustentado a filha com sua floricultura. – Seu nome é uma a homenagem, escolhido com muito amor. Inclusive, são as flores que bancaram seus estudos! Rosileidi, a dama das rosas. Florisbela, das flores a mais bela. Minha filha, será que você não entende?

Ela era professora de literatura e astróloga, enquanto a mãe mal havia concluído o ginásio. Quantas vezes sentiu vergonha dos colegas de escola, quando iam estudar em sua casa e reparavam no mau gosto, na cafonice dos objetos de decoração, dos móveis, das roupas absurdas de sua mãe? Ela evitava a qualquer custo sair com aquela mulher que fazia questão de chamar atenção com seu jeito espalhafatoso.

Considerava-se o contrário da mãe. Era discreta, sóbria, cultivava uma imagem de seriedade e competência profissional. Sua mãe era ousada, falava alto, gostava de usar roupas coloridas, com estampas florais. Flores! Que mania absurda e irritante de flores. Pra complicar, desde pequena Rosileidi desenvolveu alergia a rosas. Era só entrar na floricultura da mãe que o corpo ficava todo empipocado.

E quantos apelidos e trocadilhos seus colegas de escola já haviam criado com seu nome? Rosilady Di, Alergileidi, Rosiflores Leidibela, Rosibela Leidiflores... a lista é extensa. Bastava se lembrar dos colegas rindo e caçoando de seu nome para que ela tivesse certeza do que estava prestes a fazer. Rosileidi com o rosto vermelho de raiva, lágrimas escorrendo dos olhos, acelerava o carro com ainda mais convicção.

A astrologia a ajudou a compreender um pouco sua situação. A mãe era do signo de Aquário com ascendente em Leão, Urano na sétima casa em quadratura com Mercúrio. Essa era a razão do seu mau gosto: faltava-lhe cultura e estudo. Queria ser diferente e original, mas não sabia muito bem como. O pai era ausente - um comerciante que saiu de viagem e nunca mais voltou.

Já Rosi (era assim que gostava de ser chamada, apenas Rosi) era Virgem com ascendente em Câncer. Saturno na primeira casa em quadratura com Quíron na quarta casa. Era reservada, crítica. Principalmente auto-crítica. Cobrava-se nada menos do que a perfeição em tudo o que fizesse. Naquele dia, Urano formava oposição a Marte, trígono com Mercúrio e seu Saturno natal. Algo importante iria acontecer e era a mudança de seu nome, sua identidade, consequentemente, sua imagem e auto-estima.

O celular tocou, Rosi encostou o carro para atender. Nunca deixava de atender qualquer chamada, vivia para o trabalho. Mas para sua surpresa, era uma ligação do hospital. Avisavam que sua mãe havia sofrido um acidente de carro e se encontrava em estado grave. Realmente, algo importante acontecia. Rosi teve que se desviar de seu rumo e correr pro hospital.

A primeira reação foi pensar: - Mas que diacho, será que minha mãe planejou tudo isso só pra que eu não pudesse mudar meu nome? Depois censurou a si mesma. Rosi, por favor, tenha coração... sua mulher fria e desnaturada!

Já no hospital a mãe parecia bem, mas trazia uma tristeza profunda nos olhos. Uma tristeza que Rosi jamais viu. A notícia: seu fígado havia se partido em três pedaços com a batida do carro, suas horas estavam contadas. Ainda bem que podiam se despedir.

- Rosi, minha filha querida, me desculpe, eu sempre quis te ver feliz. Mas acho que você nunca me compreendeu, ou eu nunca soube fazer as coisas do seu jeito. Somos muito diferentes, mas eu te amo. Nunca se esqueça disso. Filha, eu não tenho medo de morrer. Tenho a consciência tranqüila, vou seguir meu rumo em paz e tenho certeza que você pode cuidar muito bem da sua vida. Seja feliz, minha querida. E mais uma vez, me perdoe. Mesmo porquê, eu já me perdoei.

- Minha mãe, não! Por favor! Eu não sei o que dizer, não sei o que pensar. Meu Deus, por que, assim de repente?

Parecia que a mãe estava apenas esperando Rosi chegar pra se despedir. Enquanto a filha balbuciava palavras agarrada à sua mão, fechou os olhos e partiu. Rosi chorou com toda a dor do seu coração. Ficou ali, abraçada à sua mãe. Enquanto a olhava morta, na sua frente, percebia tudo. Percebeu que sempre teve inveja da mãe. De seu temperamento leve, alegre, de sua despreocupação com a opinião dos outros. Rosi queria ser desprendida como ela. Queria ser decidida, simples, alegre e forte como ela. Percebeu quanto a amava e o quanto tinha sido tola por toda a vida.

- Mãe, minha mãe querida, sou eu é que peço desculpas. Por favor, me perdoe por nunca aceitar que no fundo você tem as qualidades que eu sempre quis ter. Em vez de te admirar, eu sentia vergonha de você. Como fui tola!

Desceu até a floricultura do hospital. Comprou uma dúzia de rosas vermelhas para colocar ao lado da mãe. Última homenagem, símbolo de seu perdão. A essa altura, qualquer alergia a qualquer flor já tinha sido curada. Como sua mãe sempre havia lhe ensinado, decidiu que não iria mais se cobrar tanto, que iria aceitar ser Rosileidi Florisbela. Só que a partir daquele dia, nunca mais foi a mesma.
 

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